Artigo publicado no Jornal UNIDAS nº 79 – Ano XI – 2018
Afinal, as autogestões em saúde são prestadoras de serviços? Suas atividades podem ser tributadas pelo ISSqn?
A obrigatoriedade do recolhimento do Imposto Sobre Serviço de qualquer natureza (ISSqn), exação que onera o consumo, tem gerado dúvidas às operadoras de autogestão, principalmente após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a incidência do ISSnq sobre os serviços prestados pelas “empresas” que operacionalizam planos de assistência à saúde com finalidade lucrativa e abertas ao mercado. Mas, afinal, as instituições de autogestão prestam serviços? Devem recolher o ISSqn?
Primeiramente, é de extrema importância que diferenciemos o ISSqn próprio do ISSqn terceiros (recorte metodológico). O ISSqn próprio, tem como contribuinte a operadora de plano de assistência à saúde e decorre da relação jurídica que há entre a operadora (prestadora) e os beneficiários (tomadores). Já o ISSqn terceiros tem como contribuinte o prestador de serviços que compõe a rede credenciada do plano. Neste caso, o imposto decorre da relação jurídica que há entre o prestador (empresa ou profissional autônomo) e os beneficiários (tomadores). No entanto, havendo previsão de substituição tributária na legislação municipal, a operadora será a responsável pela retenção desse imposto no momento em que efetuar o pagamento pelos serviços prestados aos seus beneficiários.
Feita essa consideração preliminar e concentrando-se no ISSqn próprio, vale lembrar que serviço, do ponto de vista jurídico-tributário é: a) circulação de riqueza, acréscimo patrimonial, atividade remunerada; b) prestado à terceiro, não podendo haver a incidência do imposto sobre os serviços que a pessoa executa em seu próprio beneficio; c) deve estar aberto ao mercado de consumo/comercialização; e d) não decorre do vínculo empregatício.
Dito isso, é sabido que a autogestão é uma forma de organização social fundada nos princípios de solidariedade, cooperação, apoio mútuo, autonomia e auto-organização. Está intimamente relacionada com os objetivos institucionais do Terceiro Setor (sem o intuito de lucro) e representa uma verdadeira mobilização social que nasce da consciência comunitária em um determinado contexto.
Diferentemente das empresas que operacionalizam planos de saúde com finalidade lucrativa, as atividades altruísticas praticadas pelas entidades de autogestão não podem ser caracterizadas como serviço e tributadas pelo ISSqn próprio. Em outras palavras: os fatos/eventos desempenhados pelas entidades de autogestão não guardam absoluta identidade com o desenho normativo do ISSqn, conforme demostro a seguir.
Ausência de circulação de riqueza/acréscimo patrimonial
As contribuições financeiras, sejam elas dos beneficiários e/ou das patrocinadoras, que ingressam nos cofres das instituições de autogestão não podem ser consideradas como remuneração/acréscimo patrimonial, posto que esses ingressos financeiros transitórios destinam-se exclusivamente, por força estatutária, custear a rede credenciada. Ademais, caso esse fim especifico (repasse financeiro para cobertura de eventos) que se propõe a autogestão em saúde seja cumprido com exatidão e ainda assim exista um excedente, não se estará diante de lucro (preço do serviço), mas sum de superávit.
Ausência de esforço humano prestado a terceiros
Também, nas atividades exercidas pelas autogestões, não há esforço humano prestado a terceiros. Em verdade o que ocorre no caso é a chamada prestação de serviços a “si mesmo”, lembremo-nos dos princípios norteadores da autogestão (cooperação, apoio mútuo e auto-organização).
Ausência da comercialização do produto/plano de saúde
Ainda, conforme já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há a comercialização de planos de assistência à saúde nas atividades desempenhadas pelas entidades de autogestão, posto que os planos destinam-se apenas a um grupo especifico, ou seja, são fechados ao mercado.
Presença de vínculo empregatício
Nas autogestões em saúde, via de regra, parte dos beneficiários dos planos terá vínculo empregatício, pois é comum que os funcionários das autogestões (fundações, caixas e/ou associações), além dos funcionários das patrocinadoras, também sejam beneficiários dos planos assistenciais. No formato de constituição denominado por Recursos Humanos (RH), em que os planos são operacionalizados dentro da própria empresa, com um único CNPJ, todos os beneficiários, obrigatoriamente, também serão funcionários da operadora, o que, por si só, já inviabiliza a instauração de obrigação tributária do ISSqn próprio.
Analogia
Em um condomínio edilício (prédio) todos os condôminos pagam mensalmente uma cota, esses ingressos financeiros, administrados pelo gestor (síndico), compõe um fundo que serve, exclusivamente, para fazer frente às despesas condominiais (gás, água, luz, limpeza, funcionários). Faria sentido a municipalidade exigir ISSqn do condomínio alegando que ele presta um serviço aos condôminos? Evidente que a resposta é negativa.
Conclusão
Portanto, as atividades altruísticas e desinteressadas desempenhadas pelas entidades de autogestão em saúde não caracterizam como serviço e, por isso, tais fatos, não reveladores de riqueza, não se subsumem a norma de incidência do ISSqn próprio.